sábado, 26 de março de 2011

Aquilo que se calou

- Sempre quis saber o porquê. Não, espera! Não quis dizer isso; eu sabia o porquê, mas nunca entendi como tudo o que nós tivemos foi resumido apenas a um “não me procure mais”. Poxa, você bateu o portão e foi embora. A gente nunca teve oportunidade de conversar sobre o que aconteceu. Você nunca me disse o que sentia, nem o que não sentia mais.

- Você realmente acha que restou alguma coisa para ser dita? Depois de tudo, depois da maneira como acabou. Como você poderia esperar de mim algo além da atitude que eu tive, Pedro?

- Foram quatro anos, Bel. Não quatro semanas.

- Quatro anos que você jogou no lixo. Quatro anos que você simplesmente esqueceu que existiram quando ficou com ela. E logo com ela.

- Eu sei que errei, mas custava você ter dito alguma coisa além de “me esquece”?

- Sim, custava. Me custaria muito dizer qualquer coisa diferente disso.

- Muito? Muito quanto?

- Me custaria a única coisa que me restara, Peu. Me custaria meu orgulho, meu amor-próprio. Seria dar pra você tudo aquilo que eu queria que ficasse comigo. Tudo o que eu precisava que não fosse destruído para que eu pudesse continuar andando. Eu precisava continuar me amando.

- E não dava para me amar também?

- Você me amava quando me traiu?

- Não responde minhas perguntas com mais perguntas. Por favor, responde, Bel.

- Dava. Tanto dava que ainda te amava. Mas precisava me por em primeiro lugar. E agora? Já pode responder a minha pergunta?

- Você vai me odiar quando eu disser, mas sim. Claro que te amava quando fiz o que fiz. Pode parecer loucura, estupidez, mas sempre fui louco por você, você sabe disso. Fiz o que fiz porque fui um idiota, ou talvez porque sou. Mas te amei antes, durante, e até muito mais depois. Pra dizer a verdade, só me dei conta do quanto te amava quando te perdi. Como todas essas pessoas burras que existem por aí que só dão valor ao que têm quando perdem.

- …

- E eu me arrependo tanto das coisas que fiz quando estávamos juntos. Quando vejo que não te tenho mais ao meu lado, fico voltando no passado querendo consertar todos os momentos que eu não aproveitei, querendo apagar, ou mesmo substituir cada minuto de briga, ou discussão. Lembrei outro dia da primeira vez que fizemos amor. Lembrei que me assustei quando vi que você estava chorando. Achei que tinha te machucado, que você estava infeliz, e você me abriu um sorriso e disse que me amava. Lembrando dos seus ‘te amo’ e do seu sorriso me doeu o coração por todos esses milhões de minutos que eu teimava em brigar com você por tão pouco. Eu queria ter sido menos intolerante, menos grosseiro. Você sempre foi tão doce comigo. Com sua voz baixa, me dizendo que estava triste e que eu não precisava falar as coisas da maneira que eu falava. Mas sabe, eu sempre fui um estúpido mesmo. Não ouvia. Achava que precisava me autoafirmar o tempo todo, nessa de quem é aquilo que é e que jamais vai mudar. Eu podia ter mudado, podia ter melhorado. Não ter agido da maneira que agi tantas vezes; assim, não teria magoado você, não teria perdido você, nem o seu sorriso nem o seu amor. Eu fico aqui perguntando à você quanto custava ter me tratado um pouco melhor e na realidade, essa pergunta deveria ser feita pra mim.

- Realmente, quem você pensa que é para exigir algo de mim? Eu exigia tão pouco de você…

- Vai ver foi aí que você errou. Você deveria ter exigido mais.

- Eu? De forma alguma! Consideração e respeito não são coisas que se pedem.

- Mas se exigem, Bel.

- Pedro, “sua cabeça, sua sentença”. Você, hoje, para e pensa, e vê o quanto errou. Não sou sua mãe para ficar cobrando que você me trate assim ou assado. Eu até falava. Quer dizer, eu até falei. Falei poucas vezes quando uma atitude sua me incomodava, quando não gostava do seu tom. Mas você reclamava, me chamava de chata. Minha intenção nunca era a de ser chata, era apenas de te falar o que eu não gostava, o que me magoava, o que eu sentia. Porque, muitas vezes, sem perceber você me magoou. Mas quando eu ousava falar, lá estava eu querendo discutir relação. Discutir a relação que nunca afirmamos ter, a relação que não sei nem bem como poderia ser discutida.

- Eu sei, mas…

- Não, você não sabe. Você nunca soube. Você parecia nunca querer encarar o que tínhamos ou não tínhamos. Então sempre ficamos nessa, adiávamos toda e qualquer discussão que podia acontecer, numa de não brigarmos nunca, mas sabe, isso foi afastando a gente. Fingir que não tinha nada, não fazia as coisas deixarem de existir. E nas pouquíssimas vezes que sentamos para conversar era isso: você cheio de deboches, de grosserias e impaciência. Você não gostava que eu te chamasse de intolerante, mas seu tom sempre foi de intolerância ao falar comigo sobre certas coisas. Nunca consegui enxergar qual era a necessidade que você tinha de falar comigo usando o tom que usava, muito menos sua indiferença em relação ao que eu sentia. Por que que tudo sempre era bobeira, besteira? Tudo o que eu julgava importante era somente isso: irrelevante. Eu é que pensava de mais, que sentia de mais, que falava de mais. No dia então que eu pensei menos, senti menos e falei menos, você se deu conta. Só não se deu conta durante todo o tempo em que eu fui deixando de pensar, de sentir, de falar. Porque não foi só o fato de você ter ficado com o Paulinha que acabou com os nossos anos juntos, nós fomos acabando conforme eu fui me afastando; e você sempre tão preocupado em não falar de nada ou em reclamar de todas as bobeiras que eram tão importantes para mim, não reparou quando eu me afastei de você. Quando se tocou, eu tinha fechado o portão e pedido à você para me esquecer. Quando eu pedi para você esquecer foi que você resolveu lembrar de tudo? Aí já era tarde. Muito tarde.

- Você dava valor de mais a coisas tão pequenas.

- Pequenas para você, Pedro. Não para mim. Para mim, poderiam ser as coisas mais importantes do mundo. Lembra daquela frase que uma vez eu te disse? “Amar não é olhar um para o outro. É olhar juntos na mesma direção”. É, e sempre foi exatamente isso. Você achava que bastava me enxergar, quando, na verdade, você precisaria me entender também. Olhar comigo e entender a importância que eu dava às coisas que para você eram realmente minúsculas, mas que recebiam minha atenção. De repente, assim, não teríamos chegado onde chegamos. Onde estamos.

- Me desculpa?

- Desculpo. Claro que desculpo. Mas sabe, é tarde de mais, Pedro. Tarde de mais.

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