sábado, 26 de março de 2011

A fuga e a cura de Isabel

O dia clareia. É a primeira manhã do inverno que se anuncia tão cheio de sol. Não fazia frio, mas Isabel se embrulhou embaixo das cobertas e ajeitou uma das meias que ameaçava sair de seu pé. Sempre era assim quando dormia de meias; boa parte das vezes levantava com um dos pés gelados. O telefone ao longe tocava, ela franziu a testa e fingiu para quem estava do outro lado da linha que ainda estava dormindo e que era surda. Não levantou. O telefone parou de tocar. Ela ainda abriu um pouco os olhos e olhou para o relógio, pedindo mentalmente que ainda fosse bem cedo só para que ela pudesse continuar na cama e dormir por mais algumas horas. O telefone voltou a tocar. Isabel resmungou alguns palavrões bem pesados para uma primeira manhã de inverno. Não era tão cedo assim, ela sabia que teria de levantar. Mas não seria para atender o inconveniente que resolvera telefonar para sua casa e acordá-la. Decidiu que se daria mais cinco minutinhos. Mas nem dois minutos passaram até o telefone tocar novamente. Ok, ok. Desistiu e levantou. Quem seria o maldito ser humano que estava lhe telefonando? Ela tinha afinal tirado férias da vida, férias do mundo. Faziam já uns quatro dias que não saia de casa. Quatro dias que só levantava da cama para comer e fazer xixi. O banho tinha sido abolido no segundo dia de confinamento. Isabel estava entrando em depressão. Mas não deixava ninguém chegar perto de mais para saber de seus problemas, muito menos de suas tristezas. Depois do dia do ônibus, ela e Gustavo ainda voltaram a conversar. Decidiram que melhor seria terminar mesmo. Isabel ficou bem, tão bem que na semana seguinte já havia iniciado mais um de seus romances, com direito a tardes de filme e noites de amor. O nome dele era Paulo, vinte e sete anos, formado em Medicina e solteiro. Um peixão, disseram suas amigas. Isabel até se convenceu de que dessa vez havia tirado a sorte grande. Sim, sim. Sorte! Sorte, já que ela se achava sempre a mais azarada para todo e qualquer tipo de relacionamento amoroso. E Paulo se mostrou um homem perfeito, daqueles que parecem existir apenas em filmes.

Acontece que homens de filme só existem em filme mesmo. Amores de filme só acontecem na tela do cinema. Para se ter um amor e um homem desses em casa é realmente questão de sorte. Sorte de que o filme não tenha sido alugado e esteja disponível na locadora, porque, de verdade, não existe! Vai ver por isso Isabel estava deprimindo. Paulo não era lá um peixão, ou até era, só que um bacalhau: você nunca sabe de onde veio, e quando se dá conta, percebe o quanto fede. Eu poderia até dizer que só comemos uma vez ao ano, mas Isabel era uma mulher insaciável, e Paulo era um bom amante com um pau muito maior que o do Pedro, seu ex. Mas Paulo era aquilo tudo que Isabel precisava e tudo o que não precisava também. Ela já estava cansada dos homens galinhas, dos carinhas superficiais que apareciam e sumiam de sua vida. Isabel queria um amor. Não precisava viver nenhum desses roteiros de cinema, bastava alguém que a amasse para valer. E ela acreditou tanto que poderia ser Paulo, que quando se deu conta já estava sofrendo de novo. Não sabia se era praga de viúva ou uruca de mulher mal amada, mas mais uma vez ela estava sendo traída. Pedro se envolvera com sua prima; Paulo, com uma de suas melhores amigas e mais uma porção de outras mulheres. Isabel parecia sacaneada quando o assunto era relacionamentos amorosos. Não parecia ter sido feita para isso.

Até chegar ao telefone que tocava tão desesperada e insistentemente, ele já parara de tocar. Ficou furiosa, tinha levantado a toa. Aproveitou então que já estava de pé e se serviu de um pouco de suco. Em seguida, quando já se dirigia de volta para o quarto, mentalizando todas as suas próximas horas de sono, o telefone voltou a tocar. Quanta insistência, pensou. Só ela que parecia ocupada demais fazendo nada? Quem era o ser que tirara a tarde para lhe encher a paciência? Não bastava todo o seu cansaço de mundo? Todo o cansaço que estava sentindo da vida? Cansara de viver e de acreditar em amores, queria um pouco de paz e sossego. Queria ficar com aquela pessoa que não julgava insuportável, com aquela que nunca a magoara antes: ela mesma. E nem quando queria apenas sua própria companhia conseguia isso sem que alguém interrompesse, sem que alguém metesse o bedelho e lhe arrancasse sua felicidade. Era sempre assim, sempre vinha uma mulher que parecia ser melhor que ela e lhe tirava aquilo que mais bem estava lhe fazendo, a crença no amor sempre era morta por mais uma ou outra mulher que conseguia tudo o que ela tanto demorara a conquistar. Quem seria dessa vez?

- Oi. Achei que não tivesse gente em casa. Mas como me falaram que você estava por aí, imaginei que pudesse apenas estar dormindo. Como você está? Tenho estado preocupado com você. Tenho sentido sua falta.

- Estou bem.

- Será que você poderia abrir a porta para mim? É que eu estou aqui embaixo, e…
(Tu, tu, tu.)

Voltara correndo para debaixo das cobertas, com lágrimas nos olhos e com medo do mundo. No telefone, Pedro. Ela preferia não acreditar nas histórias de amor, do que se permitir reviver tudo aquilo. Pouco depois, caiu no sono. Dormiu antes que pudesse escutar o barulho do motor do carro do Pedro ligando, ou de vê-lo indo embora. Tinha se curado da sua depressão. Depois de tanto tempo, finalmente estava se sentido protegida. Era uma bela manhã de sol de inverno. E que bela manhã.

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